terça-feira, 3 de novembro de 2009

Homo Sapiens



Não, não sou eu, apesar da semelhança...


Quando abriu os olhos na savana, de alguma forma ele era eu. 

Mas não totalmente.

Era um protótipo de mim. Um antepassado que, claro, não se sabia assim. Era e pronto.


Ao longo da sua vida, que deve ter sido curta, teve dúvidas muitas vezes. E teve medo muitas vezes. E fome de umas coisas que ele conhecia e de outras que nem imaginava. Em muitos dias não soube o que fazer e, quando descobriu, não sabia como. Se não fosse assim, se não houvesse essa angústia, não teria inventado a arte e se empenhado tanto em deixá-la registrada. Está lá, em cada caverna pintada.

Em uns dias ele soube como se proteger da solidão. Eu disse uns dias...



Entre um e outro desses episódios ele caçou também, porque algumas fomes, como todos sabemos, não se resolvem com tintas e idéias. E, mesmo, não havia bolsa tribo, auxílio caverna ou coisa parecida. 

Acasalou muitas vezes e com certeza não se perguntou absolutamente nada no momento de cada gozo. Poucas coisas a gente pode afirmar pelo outro e essa é uma delas. Dúvida existencial pode surgir um instante antes e outro depois. Mas durante le petit mort, mesmo,eu duvido.


Quanto aos filhos, ensinou o que sabia, alimentou com o que dispunha e protegeu como pode, com razoável sucesso, é evidente. Caso contrário não haveria ninguém para pensar nisso agora. 

Essa história poderia acabar aqui, mas falta um pedaço.


É que hoje eu abri os olhos cheio de fome. De umas coisas que eu conheço e de outras que só imagino. Cheio de dúvidas. Cheio de medo. Nos últimos quarenta anos muitas vezes não soube o que fazer. Quando descobri o que fazer, não sabia como. Sei que preciso caçar, pois há filhotes para fazer crescer, para alimentar, ensinar, proteger. Há hienas urbanas e contemporâneas esperando minha indecisão. Cabe a mim fazer com que fiquem esperando.


Já sei também que a arte ajuda a sobreviver na savana. Se você está aqui, conhece as paredes da minha caverna virtual.



O fato é que quando eu abri os olhos nesta manhã, de alguma forma eu era ele.


Mas não totalmente.


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