segunda-feira, 21 de março de 2011

Metamorfoses




Mesmo apressado, parei para ver a lagarta que subia pela parede da garagem. Arrastava-se tão lentamente que foi inevitável lembrar de minha mãe. Não, minha mãezinha não era lerda, coitada. É que ela tinha muito, muito medo de qualquer lagarta, por mais simpática que fosse. Como sentir medo de um bicho que tem tanta dificuldade para se mover? Enfim, esse foi um dos mistérios que cercaram minha infância.

Na manhã seguinte, surpresa: um casulo em formação, exatamente na altura dos meus olhos. De lá para cá, saindo ou chegando, vejo sempre aquele ser que me parece tão estranho. Tão diferente de mim que, de repente, começou a ficar parecido e disparou uma sequência de imagens e pensamentos.

A primeira reflexão foi de que eu sei, claro, o que ocorrerá com ela. Terminado o ciclo biológico atual, deixará para trás o que sobrar do casulo e vai cumprir seu importantíssimo destino de flor voadora, polinizando o mundo para que a vida se perpetue. Mas ela não sabe! Não tem consciência alguma do seu existir, pelo menos nada parecido com o que eu e você entendemos por consciência. Pensei em chacoalhá-la pelos ombros e contar tudo, mostrando talvez  imagens da internet, mas não encontrei os ombros. Como é estranho que o outro saiba mais de si do que o próprio ser que existe e vive e se transforma e morre na treva no não saber.

O segundo pensamento foi de que, respeitadas as diferenças, de alguma forma eu também não consigo compreender as transformações pelas quais vou passando. É claro que eu tento. Juro que tento, usando toda a minha inteligência que, comparada à complexidade da vida, me deixa parecido com uma lagarta. Mas um observador com mais informações teria sempre uma visão muito mais ampla, como acontece agora entre eu e minha amiga do casulo! Desde a fecundação estou em uma metamorfose incessante e nunca sou o mesmo ser de agora há pouco. De dentro do casulo do cotidiano vou lidando com a vida, tentando me acostumar com as mudanças internas e externas, mas tenho uma sensação de que algumas eu não percebo, ou não assimilo. Coisas que já me foram insubstituíveis, de repente não significam mais nada! Músicas que me emocionavam, hoje me fazem rir. Já tive orgulho de um topete ridículo! Gostos, medos, desejos, tudo vai sendo modificado. Não só os sentidos se alteram, mas os ecos deles dentro de mim. O Neruda tem um poema maravilhoso chamado "O Menino Perdido", em que ele diz, lembrando-se criança, que "...tudo foi mudando, folha por folha na árvore,  ... e nunca mais soubemos quem éramos...". Não deixe de lê-lo!



Mas como o casulo continua ali, na minha vista, continuei pensando e cheguei a uma polêmica. Há quem diga que o ser humano sempre evolui, tornando-se inevitavelmente melhor. Ora, esse é um mito romântico, ligado à crença de que a evolução é uma rodovia asfaltada rumo à divindade, que seria o destino de todos nós.  Mas veja: às vezes,  homens e mulheres mudam simplesmente para pior. Muito pior, em alguns casos. Se você acha que pior e melhor são conceitos relativos demais, é porque não reencontrou alguém consumido pelo crack ou mesmo pelo álcool. Gente que estudava, trabalhava, criava, cantava com os amigos, chega ao fim da vida roubando, matando, traficando e prostituindo-se por uma "pedra" em qualquer beco imundo. 

Tudo bem, eu me rendo: melhor e pior formam mesmo um conceito MUITO relativo. Mas vamos restringir a análise, então,  a dois tipos de mudanças possíveis entre nós: As que nos fazem mais felizes e as que nos causam sofrimento. 

É aqui que nós, homo sapiens, afastamo-nos da minha colega de endereço. Há, para todos os seres vivos, mudanças inevitáveis. Se a vida não for interrompida, certamente surgirá ali uma borboleta, assim como surgiu, onde havia um bebê lindo, essa criatura estranha que vos escreve. Mas eu e você temos, a cada instante, a possibilidade de fazer escolhas. Não para tudo, claro. Mas para um universo enorme de possibilidades!  Uma lagarta, por mais que quisesse, não poderia escolher um caminho diferente. Vai morrer incapaz de escolher um novo ofício ou, sei lá, um jeito novo de voar.  

Alguns indivíduos, adoecidos ou nascidos mais limitados que outros, tem pouca ou nenhuma chance de redesenhar seu caminho. Mas se você é capaz de ler um texto e pensar sobre ele, tem também a capacidade de examinar a própria vida, à procura de brechas por onde alterar o que não o faz feliz.

Mesmo que você se sinta péssimo e esteja  numa fase daquelas... 

Você é humano! Algumas de suas metamorfoses, você é quem escolhe!


Afinal, um humano sempre pode esculpir as próprias asas.