quarta-feira, 6 de maio de 2009

A poesia e o amor na vida real.

Flores simples e verdadeiras, em homenagem a um amor inesperado...

Cheguei à casa simples com notícias desagradáveis. Sempre levo notícias desagradáveis por força da profissão. O homem atendeu-me desconfiado e a desconfiança piorou quando soube que a intimação era dirigida à sua mulher. Equilibrava sua rispidez no limite do desrespeito e fazia de tudo para protegê-la, tentando de todas as formas evitar que eu a incomodasse. Minha teimosia profissional venceu e eis-me diante de uma mulher de cinquenta, cinquenta e cinco anos. Traz um braço e uma perna atrofiados e sem movimentos, sequelas da paralisia infantil. Pareceu-me honesta, transparente, decente mesmo. Mas é tensa, mal-humorada e agressiva. Tudo indica que não sou o único alvo de seu nervosismo, pois toma, como disse com uma ponta de orgulho, vários remédios todos os dias para controlar suas emoções.

Mas as cenas seguintes é que me marcaram profundamente: A cada vez que o marido percebia sua exaltação, desdobrava-se em atenção e carinho, sem pudores pela presença estranha e indesejada. Dirigia-se a ela com uma doçura que em tudo lembrava o mais apaixonado dos personagens de qualquer romance. Casaram-se há décadas. Entendem? Há décadas. Ela não ostenta um único sinal que lembre um modelo de sedução ou beleza. É uma senhora desgastada pela vida difícil, pela doença que imobilizou metade de seus membros ainda na infância. E pela pobreza. Casa humilde, fogão de lenha, pintura rústica que tenta esconder as marcas da enchente do ano passado. Ela diz que às vezes pensa que seria melhor morrer. Ele enche os olhos de lágrimas. Segura sua mão com força e pede (pede, mesmo!) que nunca diga uma coisa dessas, que ela é tudo pra ele. Percebendo que fiz tudo o que pude para acalmá-la e tratá-la com respeito, o homem apertou minha mão demoradamente e o agradecimento saiu do fundo do coração. Eu sei que foi.

Fui embora com dificuldade de me concentrar no próximo mandado. Não estou acostumado com um amor assim, que atravessa tantos anos traduzindo-se em cuidados, carinho, atenção e delicadeza. Que dura tanto, que supera tanto, que se assume tanto...

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