terça-feira, 3 de dezembro de 2013

A covardia.

Covarde não é quem sente medo. O nome que se dá a quem sente medo é vivo. Todo mundo sente medo e isso não tem nada a ver com covardia. Medo é o que te ajuda a não morrer "de véspera", além de outras utilidades que não vêm ao caso.


Covarde é quem se aproveita de uma vantagem para subjugar ou prejudicar o outro. Qualquer vantagem: sua arma, seu cacetete, seu cargo, sua posição social, seu conhecimento, sua língua. Quem pisa no que está por baixo. Quem humilha, maltrata, ofende, machuca por fora ou por dentro, sabendo que está em vantagem. A covardia é inconfundível. Você sempre sabe quando está diante dela.

O covarde, como bom covarde, sempre se justifica dizendo que qualquer um faria o mesmo em seu lugar. Acredite:  é mentira. Tem muita gente que usa o poder com firmeza, quando necessário, mas também com honestidade, com delicadeza, com elegância, com compromisso. Nunca diga que uma instituição é covarde. Assim você facilita demais a vida do canalha. Instituições são formadas por gente que toma decisões e assume posturas. Deixe que cada um responda por seu valor ou desvalor.

Dizem que o poder corrompe sempre.

Mas são os covardes que dizem.



segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Mute

Autor da tira: Liniers
Não é possível a amizade, quando dois silêncios não se combinam. Mário Quintana.


Gosto muito de ouvir e contar piadas. 

Gosto das conversas sem pressa, em que os assuntos vão surgindo como um novelo que nunca termina...

Mas aprendi que os sons que produzimos, as palavras, os risos, estão sempre do lado de fora. São bons. São ótimos! Mas estão do lado de fora. 

Mantêm as pessoas próximas, mas nunca muito próximas. Os sons aproximam, mas mantêm as pessoas em uma distância "segura". Na dinâmica dos ruídos, sempre paramos na porta. 

Quando você quiser repartir algo profundo com alguém, precisa compartilhar o silêncio.  Quando você se sentir confortável em silêncio ao lado de alguém, quando você sentir um prazer verdadeiro em estar quieto e acompanhado por alguém também quieto, a mágica acontece. 

Não é tão simples. Não fomos educados para o silêncio, como não fomos educados para abaixarmos as nossas defesas. Talvez seja difícil imaginar que sua presença, pura e simples, seja suficiente para alimentar a presença do outro e vice-versa.

Mas não é impossível.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Minha origem.


Nasci filho de uma mendiga, em Apucarana - Norte do Paraná. Dela não sei quase nada e do meu pai, nada mesmo. Contaram-me que ela morava na rua, perto de um terminal rodoviário, onde me alimentou até os trinta dias de idade com uma rica dieta de café com leite. Plenamente justificado, portanto, meu fascínio por café.

Quando eu já era um homenzinho com trinta dias de vida e dono do meu narizinho melecado, ela me entregou a uma mulher que passava. Disse que havia dado naquele mesmo dia um menino de quatro anos e estava indo embora da cidade. Foi assim que recebi o nome Ciabattari. Não me lembro de meus sentimentos naquela época, é claro. Mas devo ter sentido falta do café e tavez do movimento dos ônibus. E dela.

Saudades à parte, a coisa estava melhorando: Saí das ruas, tiraram minhas craquinhas de sujeira, tinha até um berço!!! Yes!!! Mas um médico mal-humorado quase estraga tudo! Música de suspense, por favor. Primeiro diagnóstico, feito assim, de olho ("nem precisa exame, tenho experiência", disse):

_ Esse menino tem Síndrome de Down e Sífilis; é melhor se livrar dele o mais rápido que puder... Se ele sobreviver, o que é difícil, vai carregar muitas sequelas!

Humpf!!! Tentei protestar fazendo uma careta bem feia, mas ninguém prestou atenção, ou então achou que a careta era sintoma da doença.

Para minha sorte, o segundo médico a me examinar ainda se lembrava do Juramento de Hipócrates. Pediu exames, observou o feiosinho mais de perto e percebeu que o que parecia doença era só a falta de condições adequadas, nada mais. Ahá! Pensei comigo: Alguém ponha "Carruagens de Fogo" pra tocar, que minha corrida está só começando! Como você vê, eu era um bebê cinéfilo.


Dois detalhes desse episódio chamam muito minha atenção.

Primeiro, que eu não comecei bem minha carreira de sex symbol. A pobreza deve ter deixado naquela (nesta) criança marcas muito tristes, como deixa em tantas outras todos os dias. Nada mais justifica um diagnóstico, embora desastrado e de uma incompetência criminosa, tão pessimista.

Segundo, que a mulher e o homem que me adotaram foram muito corajosos em aceitar o desafio. Eles nem queriam adotar ninguém e já tinham um casal de filhos perfeitos. No caminho do Drumond tinha uma pedra; no deles, um bebê esquisito, filho de uma mulher que desapareceu. Naquele momento eles tiveram de usar da liberdade a que estavam condenados. Devem ter discutido muito e levado em consideração uma porção de coisas: A despesa, o tempo, os cuidados com uma criança em condições tão precárias, os preconceitos de parte da família (sim, existiram)... Tantas preocupações para quem nem queria um filho! Mas, enfim: fiquei no time.

Um ano e muita papinha depois (Sem café! Nada é perfeito...) conseguiram me deixar bem bonitinho e até tiraram a foto que ilustra este relato!

Obrigado, mãe!

Obrigado, pai!

Obrigado, médico desconhecido que fez com competência o seu trabalho!

De lá para cá... Bem, de lá para cá fui ficando feio de novo, mas já não é culpa deles, a vida é assim mesmo.

O tempo foi passando, como costuma acontecer. Tive muitos motivos para rir, muitos para chorar e o que importa é que, uma por uma, minhas feridas têm cicatrizado. Houve tantas na alma, que as do corpo desapareceram nas curvas do esquecimento. Mas nenhuma sem remédio: O afeto, o conhecimento e a arte curam todas as dores deste mundo.


Hoje penso nos mais de quarenta anos que se seguiram àqueles dias. Tive tantas oportunidades por causa das chances que me deram, quando eu era tão fraco e indefeso! Minha memória tem tantas gavetas, todas tão cheias, tanta vida aconteceu depois!Sou, de alguma forma, filho da coragem. Um mestiço que traz em si, bem misturados, dois sangues: o da liberdade e o do dever bem cumprido. Sinto-os como dois rios nítidos em mim. Se um deles estivesse seco à minha volta naquele abril de 1.969, eu não usaria um blog para me comunicar. Usaria um médium.

Naqueles dias eu ainda não estava condenado à liberdade, como Sartre ensinou. Estava condenado à morte. Era tão pequeno, frágil e doente, que dependi das escolhas de outras pessoas para sobreviver, sem nem me dar conta disso.

Agora sou um homem.

Tão livre quanto um homem pode ser, com todas as cores e as dores que a escolha sempre trás. Exercito essa liberdade como posso e tento honrar todos os dias o direito que recebi de continuar vivo.

Ainda ouço Carruagens de Fogo ao fundo da cena.

E quem quiser, que conte outra...


É simples assim:


Não existe amor sem amizade. 

Não existe amizade sem respeito.
Você pode chamar as coisas como quiser, claro. 
Pode dar o nome de amor para qualquer coisa. 
Até para aquela relação em que não existe uma amizade verdadeira e, nem ao menos, respeito.
Mas amor, não é. 

E ponto.



terça-feira, 23 de abril de 2013

Um suspiro e nada mais.




Essa gardênia linda é minha.

Eu, pelo menos, penso que é e nunca perguntei a opinião dela. 

Rego seu vaso todas as manhãs, digo bom dia, agradeço pelo perfume infinito que alegra meu café  e acompanho o nascer de cada botão. Aí está a flor aberta em toda sua beleza! Pena não haver download do aroma, você ficaria impressionado ou impressionada!

Acontece que essa moça, embora não se rebele contra a tolice de pensá-la minha, tem uma mania horrível! 

Suas flores morrem, acredita? Morrem! Essa da foto, por exemplo, em poucos dias vai seguir seu caminho, vai ficando amarelinha, depois marrom e... sem perfume algum, será apenas uma lembrança ressecada do que havia sido. Em seguida, desaparece lentamente.

Nada que eu faça impede ou retarda sua morte. E sempre que me despeço de cada uma, lembro que eu, ela, você, somos todos um pequeno suspiro biológico, um flash, acontecendo em um pontinho azul do universo.

Às vezes, isso me deprime. Queria o perfume das flores, o amor dos filhos, dos amigos, tudo para sempre, tudo sem fim, tudo sem medida. 

Mas a tristeza logo dá lugar a um sentimento de urgência: não dá para ficar lamentando muito, porque, sem regar direito, as flores deixam de aparecer e o meu próprio suspiro, com os segundos correndo, vai perdendo o encanto que poderia ter...

O jeito é encher o balde todas as manhãs e dar a cada ser o que é preciso para florir mais e melhor. Água, sorrisos, abraços, carinho, gentileza...  ir regando o que importa, o que faz diferença, o que colore, o que perfuma.

Não há tempo a perder. Ninguém ocupa o vaso para sempre.